Mais do que estarmos melhores ou piores, tenho a certeza de que estamos diferentes. A tempestade que varreu as nossas vidas e rotinas no último ano e meio veio trazer ao de cima todo o lixo que havia, mas, também, toda a gentileza e a bondade que habita na zona de corais do nosso coração. Lá bem na maior profundidade daquilo que somos.
Gostava mais que esta reflexão ficasse por aqui. Talvez fosse sinal de que as marcas ou cicatrizes deixadas pela pandemia não eram assim tão dignas de registo. Talvez fosse sinal de que não nos tivéssemos apercebido da maldade, da estupidez, da falta de noção, de bom senso, de compaixão.
No entanto, a verdade é que tudo o que existia de mais cinzento-escuro dentro da alma de cada um parece ter vindo ao de cima. Houve quem duvidasse da ciência e da medicina e pusesse em causa o esforço de todos aqueles que se abandonaram de viver. Houve quem lançasse polémicas sobre as dúvidas (legítimas) que todos já tínhamos e merecíamos ter. Houve quem se achasse no direito de fazer o papel de Deus. De dizer aos outros que a sua verdade era a única que devia ser considerada. Houve quem se demitisse de compreender o medo quase absurdo de alguns. Quem se julgasse imortal. Quem se julgasse capaz de sobreviver a esta guerra sozinho. Quem tivesse ignorado que todos estávamos a viver isto à luz daquilo que somos e que isso tinha que significar, sempre, coisas e perspetivas diferentes.
Claro que, no reverso desta medalha, também houve quem se encontrasse consigo mesmo e tivesse descoberto a sua vocação no cuidado dos outros. Quem tivesse querido aliviar o sentimento de (des)pertença e de abandono sentido por tantos: novos, velhos, pequenos, grande, doentes ou saudáveis. Houve quem tivesse dado o peito às balas, sacrificando a sua família, os seus amigos, a companhia de todos os que amava, ou ama.
Houve quem tivesse visto partir os seus e que, mesmo assim, não se deixou amargar pela ausência de despedidas, do toque último, do abraço que ficou (apenas) prometido.
Houve quem tivesse dado tudo e houve quem tivesse cruzado os braços, como uma criança mimada, para (conscientemente) não dar nada.
Mostrámos, nestes últimos tempos que já vão longos, o melhor e o pior de nós. Tenho a certeza disso. Olhando para trás, para tudo o que fizeste, disseste, partilhaste, postaste, sorriste, choraste, largaste, deixaste,
De que lado estás tu?
Dos que ficaram melhores? Ou piores?
Marta Arrais
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