Reflexões para o início da Quaresma
Neste contexto e contra o estabelecido, Jesus dizia: “Ide e aprendei o que significam estas palavras: Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”. A misericórdia (e não somente as práticas devocionais e de sacrifícios) é a relação por excelência que nos assemelha a Deus.
A expressão latina “miserere” pode ser traduzida como “misericórdia” ou “compaixão”, e diz respeito à maneira como Deus se revela: compassivo e clemente, lento para a ira e rico em misericórdia e verdade (cf. Ex 34, 6-8). É um Deus que “não pede sacrifícios” (Salmo 50).
Às vezes, levamos uma vida sobrecarregada de insatisfação, amargura, inveja e avareza; não percebemos que caminhamos cansados e desumanizando todos os que encontramos ao nosso redor. A proposta de Jesus é muito clara: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas” (Mt 11, 28-29).
Jesus se aproximava diariamente dos que eram qualificados como pecadores e os abraçava, olhava, tocava, reconciliava-os consigo mesmos e com os outros, mostrando-lhes que era possível viver de outro jeito, pois Deus estava com eles sem pedir-lhes nada em troca, que Deus acolhia tanto o pecador como o justo, para reconciliá-los (Salmo 145. 146).
Mas advertia que os que se consideravam justos e oravam com a soberba de achar que conheciam Deus e de que eram mestres dos outros, sentindo-se já salvos e donos de Deus (Mt 3, 9), seriam precisamente os mais rejeitados pelo Senhor (Mc 12, 38-40).
Jesus nunca obrigou os outros a cumprirem os ritos e as práticas religiosas estabelecidas. O que atraía nele era precisamente sua maneira de entender o amor: carregar o outro, mas sem descarregar-se nele, sem desumanizá-lo. Jesus concebia o outro como um filho de Deus e como um irmão seu, a quem precisava devolver a alegria de viver.
Temos diante de nós o desafio de reconhecer que amar a Deus “de todo o coração, de todo o pensamento, de toda a alma e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, excede a todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12, 32-34), porque quem vive da compaixão não está longe do Reino de Deus – ainda que possa estar longe da Igreja.
Somos capazes de viver a compaixão como o mais humano que pode brotar de nós mesmos, vivê-la com a mansidão e benignidade de Cristo (2 Cor 10, 1), entendendo que ter “os mesmos sentimentos de Cristo” (Flp 2, 5) já é dar os frutos do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio de si (Gál 5, 22, 23)?
Se ainda não demos esses frutos, talvez seja porque estamos procurando o verdadeiro caminho de salvação que é a compaixão.
Rafael Luciani ( aleteia)
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