Às vezes é mais cómodo viver a escravidão sem amor do que amar na liberdade
Pode ser que vejamos muitas coisas a serem mudadas e não saibamos por onde começar. E nunca começamos. Sonhamos com o céu sem levantar voo. O esforço nos custa. Como dizia Gabriel García Márquez: “Aprendi que todo mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na maneira de subi-la”.
Queremos já estar no topo, sem luta, sem ter de sofrer a dureza e a sede do caminho. Não é assim. É preciso aprender a desfrutar também o caminho e a sede. Mas nos assusta a ideia do esforço e da necessidade de mudança. Por isso, nós nos acostumamos com a vida, e mudar nos parece uma quimera, um esforço absurdo. A escravidão é mais cómoda que a liberdade.
A mulher samaritana que tirava água do poço era uma mulher ferida e escrava: teve cinco maridos. Estava ferida no amor, no mais profundo. Buscava água para acalmar sua sede. Vivia escrava de si mesma. Cinco maridos e um amante.
Ela talvez vivesse a vida que não havia sonhado, que não havia querido. Apenas sobrevivia. Muitos fracassos e sensabores. Talvez sua dor fosse tão profunda, que nenhuma água era capaz de aliviar. Uma mulher desprezada, rejeitada, à margem do caminho.
Jesus olha para ela de um jeito novo; reconhece-a sem jamais tê-la visto antes. Vê sua beleza interior, sua alma pura, sua verdade.
O povo de Israel também havia sido um povo escravo. Deus o libertou, acreditou nele, viu sua verdade. Caminhando pelo deserto, os israelitas sentiram sede e clamaram a Deus: “Tu nos fizeste sair do Egito para fazer-nos morrer de sede, nós, nossos filhos e nosso gado?”. Na escravidão, não tinham liberdade, mas não padeciam necessidades, não sentiam sede nem fome. Na liberdade do deserto, sofreram, padeceram.
A mulher samaritana, em sua ferida de amor, tem uma sede eterna. É escrava e tem seu poço para aliviar temporariamente sua sede. Mas a sede mais profunda continua. Às vezes, é mais cómodo viver a escravidão sem amor, que amar na liberdade.
Ser escravos limita as possibilidades de optar na vida, mas dá tranquilidade, alivia a sede por um tempo. Não queremos ser escravos, mas muitas vezes o somos, porque a liberdade tem seus riscos e dói. Não nos atrevemos a sofrer a sede do deserto.
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