segunda-feira, 1 de junho de 2015

Abraçando o impossível


Young happy woman in canola field on sunset. © IBushuev / Shutterstock


Deus pede a cada um o impossível que mais convém à sua alma

Se há algo de curioso nos pontos em comum dos vários chamamentos de Deus na Bíblia e na vida dos santos é, sem dúvida, o “abraço no impossível”. Parece fazer parte da pedagogia do Deus dos Impossíveis exigir daquele que Ele chama este abraço radical que levará a dois do fundamentos básicos para o “sim” à vontade de Deus: um esvaziamento total e radical de si mesmo e, ao mesmo tempo, a entrega e confiante à vontade de Deus.

Quem foram os grandes eleitos de Deus na Bíblia? Quais as características de personalidade? Como se deu com cada um, este tão imensamente difícil e libertador abraço no impossível”?
“Deixa!”

“Deixa!” Foi esta a primeira palavra que Deus disse a Abraão. Deixa! O que Deus pedia para o caldeu Abraão deixar? Basicamente a mesma coisa que Jesus pediria aos seus, séculos mais tarde: terra, família, a casa do pai. O Deus dos Impossíveis pedia a Abraão que deixasse tudo. Não teria mais pátria, nem a terra que ele conhecia tão bem e que o mantinha. Não teria mais o apoio seguro da presença da família, que provavelmente nunca mais veria, nem a tradição do clã, ao qual jamais voltaria. (Gn 12,1-4)

“Deixa”, diz Deus a Abraão. Em troca de quê? De promessas. Abraão calou-se e obedeceu. Séculos mais tarde, o intempestivo Pedro não se calaria: “Vê, nós abandonamos tudo e te seguimos”(Mt 19,27-29). O Deus dos Impossíveis lembra que é também o Deus das Promessas e responde com a mesma garantia dada a Abraão: a promessa do cêntuplo, com tribulações, e a vida eterna.

Abraão obedeceu. Resolveu abraçar o impossível. Sabia que ele e Sarai eram idosos e que ela era estéril. Sabia que devia obedecer não apenas por causa da promessa, mas, muito especialmente por causa daquele que o chamava.
A confiança de Abraão nos promessas de Deus levou-o a selar com Ele um pacto pela circuncisão da carne. A confiança do nosso intempestivo Pedro, levou-o a selar com Deus uma aliança nova e eterna, no sangue de Jesus Cristo.

A maior parte dos santos não se apoiou em outra promessa que não a promessa bíblica do cêntuplo e não foi guiada por outra motivação que não a do amor a Deus.

“Moisés, Moisés!”

“Moisés, Moisés!”. Com estas palavras, o Deus que costuma chamar Seus filhos pelo nome interpela Moisés. Séculos mais tarde, interpela da mesma maneira o grande Paulo: “Saulo, Saulo!” o que ordenou o “Eu Sou” a Moisés? Naturalmente, o impossível: “Vai, eu te envio ao Faraó para tirar do Egito os israelitas, meu povo” (Ex 3,10).

E ao altivo Saulo, homem intelectualizado, conhecedor das culturas helénica e judaica, cidadão romano a quem ninguém ousava enfrentar, o que ordenou aquele a quem Saulo perseguira e agora chamava “Senhor” (At 9,5) ? O que queria aquele Senhor que o valente Saulo, preparado para qualquer desafio, fizesse? Nada! Pelo menos, da sua auto-suficiência. Instruído minuciosamente pelo Senhor para levantar-se, entrar na cidade e esperar novas ordens, Saulo se vê cego e, portanto, impotente para cumprir a ordem que lhe fora dada. Deus, novamente, pede o impossível e Saulo, tomado pelo mão, é introduzido em Damasco, tendo passado três dias sem ver, sem comer nem beber, esperando, em tremendo desconforto, que fosse cumprida a promessa de que lhe “seria dito” o que deveria fazer (At 9,1-9)
“Quando o Espírito Santo Deseja Algo, Sempre Realiza” ( S. Cura D’ars)

Observando da óptica do Deus dos Impossíveis, poderíamos percorrer cada um dos grandes homens da Bíblia e perceber a presença do trinómio: “chamado – impossível – promessa”. O mesmo ocorreria se víssemos a vida dos santos.
A maior parte do santos não se apoiou em outro promessa que não na promessa bíblica do cêntuplo e não foi guiada por outra motivação que não a do amor a Deus. No entanto, permanece o trinómio “chamado – impossível – promessa” ao qual cada um responde como amor obediente a Deus e a fé confiante em Sua fidelidade.
“Senhor, eu te dou tudo… E eu te peço tudo!”

Alguém no mundo jamais recebeu ou receberá chamado tão impossível como o de Maria? Alguém jamais terá ouvido promessa tão improvável? Alguém terá jamais respondido com tamanha fé e simplicidade?

“A Deus nenhuma coisa é impossível (Lc 1,37), afirma o Arcanjo Gabriel resumindo em uma frase a explicação da acção fiel da graça de Deus em milénios da história da Salvação. O Deus dos Impossíveis foi tecendo, ao longo dos “sim” dos homens. “sim” ora titubeantes e medrosos, ora corajosos, arrojados, impetuosos, mas sempre “sim”. Na verdade, Deus precisa apenas deste “Sim” inicial, porque, de resto, tudo é graça que o renova revitaliza e conduz para o centro da Sua vontade`.
Deus, na verdade, pede a cada um o impossível que mais convém à sua alma. No entanto, em todos os “impossíveis” que pede, está sempre presente a exigência da entrega, da humildade, do abandono de si mesmo. O orgulho e a auto-suficiência consistem nos maiores empecilhos para que seja feita a vontade de Deus na vida de alguém. “Confiar em si mesmo não é somente conservar a consciência e a propriedade do próprio ser. É, ainda que inconscientemente, erigir-se como princípio último de seus próprios actos, afirmar, prática, sua independência, confrontando-a ao ser de Deus. A alma que confia em si não tem como estar perfeitamente submissa e nem, por conseguinte, pode amar”. Como abraçar o impossível se confia apenas em si mesmo, se considera como princípio último dos próprios actos a sua própria força e potência? Não foi à toa que Deus precisou deixar Paulo cego!

Deus, na verdade, pede a cada um o impossível que mais convém à sua alma

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