sexta-feira, 10 de março de 2017

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO



Os participantes na Conferência Internacional das Associações de Empresários Católicos, reunidos para refletirem sobre o papel do empresário como agente de inclusão económica e social, foram recebidos pelo Papa Francisco, em 17 de novembro, vésperas do encerramento do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Porque não perde tempo nem oportunidades, Francisco falou-lhes de como é que a atividade empresarial também pode ser “uma prática da misericórdia”. Começando por afirmar que a “atividade empresarial comporta constantemente uma infinidade de riscos”, refletiu sobre três desses riscos: “o de usar bem o dinheiro, o da honestidade e o da fraternidade”.
Em primeiro lugar, falou do risco do uso do dinheiro, “um dos temas mais difíceis da perceção moral: o dinheiro”. E lembrou um princípio-chave: “o dinheiro deve servir, em vez de governar. O dinheiro é apenas um instrumento técnico de intermediação, de comparação de valores e direitos, de cumprimento das obrigações e de poupança. Como qualquer técnica, o dinheiro não tem um valor neutro, mas adquire valor segundo as finalidades e as circunstâncias nas quais é usado. Quando se afirma a neutralidade do dinheiro, está-se a cair no seu poder. As empresas não devem existir para ganhar dinheiro, mesmo se o dinheiro serve para medir o seu funcionamento. As empresas existem para servir”. Apoiado nestes princípios, afirmou que “é urgente recuperar o significado social da atividade financeira e bancária, com a melhor inteligência e criatividade dos empresários. Isto significa assumir o risco de complicar a vida, tendo que renunciar a certos lucros”. Terminava este ponto dizendo: “Admitindo a possibilidade de criar mecanismos empresariais que sejam acessíveis a todos e funcionem em benefício de todos, é preciso reconhecer que será sempre necessária uma intervenção do Estado a fim de proteger certos bens coletivos e garantir que as necessidades fundamentais sejam satisfeitas”.
O segundo risco, é o risco da honestidade. “A corrupção é a pior chaga social. É a mentira de procurar o lucro pessoal ou do próprio grupo sob as aparências de um serviço à sociedade. É a destruição do tecido social, sob as aparências do cumprimento da lei. É a lei da selva, mascarada de aparente racionalidade social. É o engano e a exploração dos mais débeis ou menos informados. É o egoísmo mais grosseiro, escondido por detrás de uma generosidade aparente. A corrupção é gerada pela adoração do dinheiro e volta para o corrupto, escravo daquela mesma adoração. A corrupção é uma fraude da democracia e abre as portas a outros males terríveis como a droga, a prostituição e o tráfico de pessoas, a escravidão, o comércio de órgãos, o tráfico de armas, e assim por diante. A corrupção é tornar-se seguidor do diabo, pai da mentira”. E o Papa acrescenta que “a corrupção não é um vício exclusivo da política. Há corrupção na política, há corrupção nas empresas, há corrupção nos meios de comunicação, há corrupção nas igrejas e há corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares». E acrescentou que uma “das condições necessárias para o progresso social é a ausência de corrupção. Pode acontecer que os empresários se vejam tentados a ceder às tentativas de chantagem ou de usurpação, justificando-se com o pensamento de salvar a empresa e a sua comunidade de trabalhadores, ou pensando que deste modo farão crescer a empresa e que um dia poderão libertar-se desta chaga. Além disso, pode acontecer que caiam na tentação de pensar que se trata de algo que fazem todos, e que pequenas ações de corrupção destinadas a obter pequenas vantagens não tenham grande importância. Qualquer tentativa de corrupção, ativa ou passiva, já é começar a adorar o deus dinheiro”.
O terceiro risco apontado por Francisco é o da gratuidade como expressão da fraternidade. A atividade empresarial “deve incluir sempre o elemento de gratuitidade. As relações de justiça entre dirigentes e trabalhadores devem ser respeitadas e pretendidas por todas as partes; mas, ao mesmo tempo, a empresa é uma comunidade de trabalho na qual todos merecem respeito e apreço fraterno por parte dos superiores, colegas e subalternos. O respeito do outro como irmão deve alargar-se também à comunidade local na qual a empresa se situa fisicamente e, num certo sentido, todas as relações jurídicas e económicas da empresa devem ser moderadas, envolvidas num clima de respeito e de fraternidade”.
Os empresários merecem-nos todo o respeito, os operários também. Pena é que se esteja longe de vencer uma certa atitude de desconfiança entre operários e empresários. Há casos tristes, sim, mas há, por certo, muita coisa boa e mais haverá quando empresários, dirigentes e operários se sentirem verdadeiramente cooperadores numa obra comum, quando a planificação, os trabalhos, os lucros e as perdas forem do conhecimento de todos, quando todos souberem quanto fica para investir em proveito de todos ou quanto faltou para atingir os objetivos propostos. Na verdade, uma comunidade empresarial não pode ser constituída por pessoas que não se relacionam e desconfiam umas dos outros. Mas sim por irmãos que partilham projetos, êxitos, fracassos e sonhos, confiando uns nos outros e dando as mãos para ir em frente. O Concilio Vaticano II referia que “nas empresas económicas associam-se pessoas, isto é, homens livres e autónomos, criados à imagem de Deus. Por isso, tendo em conta as funções de cada um, proprietários, administradores, gerentes ou trabalhadores, e salva a necessária unidade na direção, deve promover-se a participação ativa de todos na gestão das empresas, segundo formas a determinar convenientemente” (GS68).
Que bom seria se todas as empresas fossem expressões legítimas da liberdade responsável. Na verdade, elas deveriam corresponder verdadeiramente à vocação empreendedora da pessoa, à sua iniciativa criadora, às necessidades da comunidade e às possibilidades de se participar na obra da criação confiada ao ser humano. São João Paulo II, numa das suas visitas à Argentina, dizia aos empresários que “uma empresa que respeite as finalidades sociais exige evidentemente um modelo de empresário profundamente humano, consciente dos seus deveres, honesto, competente e imbuído dum profundo sentido social, que decline a inclinação para o egoísmo para preferir mais a riqueza do amor que o amor da riqueza”.

D.Antonino Dias -Bispo de Portalegre Castelo Branco
10-03-2017

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