sexta-feira, 18 de maio de 2018

ILUMINAR CRISES, ANGÚSTIAS E DIFICULDADES


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Em plena Semana da Vida, celebrámos o Dia Internacional da Família. Em sinal de presença e de interesse pelo bem das famílias, convido-os a lerem comigo, sintetizando, uns números da Exortação do Papa Francisco sobre a Alegria do Amor. Há famílias que, treinadas e testadas no caminho do amor, “já envelheceram o vinho novo do noivado”. Numa fidelidade “cheia de sacrifícios e alegrias”, tudo foi amadurecendo e, hoje, os seus olhos “brilham com a contemplação dos filhos de seus filhos”. Eles “foram capazes de superar, juntos, as crises e os momentos de angústia, sem fugir aos desafios nem esconder as dificuldades” (AL 231).
As crises da família fazem “parte da sua dramática beleza”. E uma crise superada leva “a melhorar, sedimentar e maturar o vinho da união”, há "uma aprendizagem, que permite incrementar a intensidade da vida comum ou, pelo menos, a encontrar um novo sentido para a experiência matrimonial. É preciso não se resignar de modo algum a uma curva descendente, a uma inevitável deterioração, a uma mediocridade que se tem de suportar” (AL 232). Muitas vezes, quando surge uma crise, “a reação imediata é resistir, pôr-se à defesa por sentir que escapa ao próprio controle, por mostrar a insuficiência da própria maneira de viver, e isto incomoda. Então usa-se o método de negar os problemas, escondê-los, relativizar a sua importância, apostar apenas em que o tempo passe”. Isso, porém, não resolve, “adia a solução e leva a gastar muitas energias num ocultamento inútil que complicará ainda mais as coisas. Os vínculos vão-se deteriorando e consolida-se um isolamento que danifica a intimidade”, a comunicação deixa de existir, e assim, “pouco a pouco, aquela que era «a pessoa que amo» passa a ser «quem me acompanha sempre na vida», a seguir, será apenas «o pai ou a mãe dos meus filhos», e, por fim, “um estranho” (AL 233). Nesta situação, os cônjuges tendem a isolar-se “para não mostrar o que sentem, trancam-se num silêncio mesquinho e enganador”, quando precisavam mesmo de “criar espaços para comunicar de coração a coração”. Mas se nunca se aprendeu a fazê-lo, torna-se “ainda mais difícil comunicar num momento de crise”. Comunicar é “uma verdadeira arte que se aprende em tempos calmos, para se pôr em prática nos tempos borrascosos.” (AL 234).
Há crises mais ou menos comuns em todas as famílias: “quando é preciso aprender a conciliar as diferenças e a desligar-se dos pais; ou a crise da chegada do filho, com os seus novos desafios emotivos; a crise de educar uma criança, que altera os hábitos do casal; a crise da adolescência do filho, que exige muitas energias, desestabiliza os pais e às vezes contrapõem-nos entre si; a crise do «ninho vazio», que obriga o casal a fixar de novo o olhar um no outro; a crise causada pela velhice dos pais dos cônjuges, que requer mais presença, solicitude e decisões difíceis. São situações exigentes, que provocam temores, sentimentos de culpa, depressões ou cansaços que podem afetar gravemente a união” (AL 235).
A estas, juntam-se as “crises pessoais com incidência no casal, relacionadas com dificuldades económicas, laborais, afetivas, sociais, espirituais. E acrescentam-se circunstâncias inesperadas, que podem alterar a vida familiar e exigir um caminho de perdão e reconciliação” (AL 236).
Frequentemente, “quando um cônjuge sente que não recebe o que deseja, ou não se realiza o que sonhava”, pensa que isso lhe é “suficiente para pôr termo ao matrimónio”, não havendo, assim, “matrimónio que dure”. Não raro, “para decidir que tudo acabou, basta uma desilusão, a ausência num momento em que se precisava do outro, um orgulho ferido ou um temor indefinido. Há situações próprias da inevitável fragilidade humana, a que se atribui um peso emotivo demasiado grande”. Assim, por exemplo, “a sensação de não ser completamente correspondido, os ciúmes, as diferenças que podem surgir entre os dois, a atração suscitada por outras pessoas, os novos interesses que tendem a apoderar-se do coração, as mudanças físicas do cônjuge e tantas outras coisas que, mais do que atentados contra o amor, são oportunidades que convidam a recriá-lo uma vez mais” (AL 237). Importante é que se tenha “a maturidade necessária para voltar a escolher o outro como companheiro de estrada, para além dos limites da relação”, que se aceite, com realismo, que não se pode “satisfazer todos os sonhos acalentados”, que se evite pensar que são “os únicos mártires”, que apreciem “as pequenas ou limitadas possibilidades que lhes oferece a vida em família”, que apostem “em fortalecer o vínculo numa construção que exigirá tempo e esforço”, que reconheçam “que cada crise é como um novo «sim» que torna possível o amor renascer reforçado, transfigurado, amadurecido, iluminado” (AL 238).
Muitas das dificuldades surgem nas famílias “quando um dos seus membros não amadureceu a sua maneira de relacionar-se, porque não curou feridas dalguma etapa da sua vida”, quando a infância e a adolescência foram mal vividas no relacionamento com os seus pais e irmãos e nunca se sentiu amado, quando não amadureceu normalmente… Tudo isso acaba “por afetar o matrimónio”, compromete a “capacidade de confiar e entregar-se”, tudo “reaparece e danifica a vida conjugal” e as crises tornam-se mais frequentes e mais dolorosas. Por vezes “as pessoas precisam de realizar aos quarenta anos um amadurecimento atrasado que deveria ter sido alcançado no fim da adolescência. Às vezes ama-se com um amor egocêntrico próprio da criança, fixado numa etapa onde a realidade é distorcida e se vive o capricho de que tudo deva girar à volta do próprio eu. É um amor insaciável, que grita e chora quando não obtém aquilo que deseja. Outras vezes ama-se com um amor fixado na fase da adolescência, caracterizado pelo confronto, a crítica ácida, o hábito de culpar os outros, a lógica do sentimento e da fantasia, onde os outros devem preencher os nossos vazios ou apoiar os nossos caprichos (AL 239). “Isto exige que se reconheça a necessidade de ser curado, que se peça com insistência a graça de perdoar e perdoar-se, que se aceite ajuda, se procurem motivações positivas e se tente sempre de novo. Cada um deve ser muito sincero consigo mesmo, para reconhecer que o seu modo de viver o amor tem estas imaturidades. Por mais evidente que possa parecer que toda a culpa seja do outro, nunca é possível superar uma crise esperando que apenas o outro mude. É preciso também questionar-se a si mesmo sobre as coisas que poderia pessoalmente amadurecer ou curar para favorecer a superação do conflito” (AL 240).

D. Antonino Dias Bispo de Portalegre Castelo Branco
Portalegre, 18-05-2018.

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