Abrenúncio, credo!... Ora vejam lá as coisas que eu aconselho neste Natal: remover o colesterol espiritual e tudo o mais que embatuca e atrofia a beleza do coração!... É uma hemodinâmica especial: ih-ih-ih-ih, as coisas que eu sei! Vós, porém, caros leitores, mesmo que fiqueis a pensar que eu já não fecho bem a gaveta, “sabeis em que tempo estamos” (Rm 13, 11). A história destes tempos brilha com o progresso sustentável que nos vai oferecendo. Quando, porém, se desvia da sua verdadeira rota, logo escurece o seu brilho e entra em crise, crise ruidosa e diversificada, o cabo dos trabalhos! Tal como os romanos naquele tempo o sabiam, também nós, hoje, sabemos em que tempo estamos. São os nossos tempos, são o que são, e pronto, ponto! São Paulo, porém, no meio de tudo o que de bem e mal ia acontecendo por aquelas bandas, arrepiando uns, matando outros e alegrando a muitos, sempre apelava à fortaleza, à coerência de vida, à alegria, à esperança, à confiança no futuro. Dois mil anos depois, nós não podemos ser uns pobres jeremias a vaticinar desgraças e mais desgraças, só desgraças. É certo que mesmo que não queiramos admitir que as há, lá isso há, é verdade, há muitas e variadas desgraças e desgracinhas. No entanto, sabendo bem o tempo em que estamos, é de assumir que já “chegou a hora de nos levantarmos do sono porque a noite vai adiantada e o dia está próximo” (Rm 13, 11). Sim, a noite da história já vai adiantada, não tanto quanto desejávamos, mas lá vai indo. O galo já canta, o raiar da aurora está próximo. Importante é que acordemos, nos levantemos do sono, façamos a devida ginástica matinal e entendamos que tudo tem remédio quando o diagnóstico, a posologia e os cuidados a ter batem na muche. Não são as crises e as desgraças que têm a última palavra, muito menos qualquer figurão deste mundo com elevadas pretensões de a ter. Jesus veio-nos dizer e provar que a última palavra é mesmo d’Ele. Dando a vida, foi Ele e mais ninguém quem nos resgatou da triste situação em que nos encontrávamos. Foi Ele quem nos rasgou caminhos novos a percorrer. Se os aceitarmos, fazem de nós protagonistas e parte das soluções, desde que, com Ele, metamos mãos à obra, ‘abandonemos as obras das trevas e nos revistamos das armas da Luz’ (Rm13,12). Jesus quis mesmo contar connosco e já se encontra à nossa porta. Escuta lá um pouquinho..., escuta melhor.... não ouves a aldraba da porta a bater?... Quem ouvir o seu toque, quem escutar a sua voz e lhe abrir a porta, Ele entrará, sentar-se-á à mesa do anfitrião e ceará com ele (cf. Ap 3, 20).
Quando alguém vem por bem e bate à porta, ninguém tarda em abrir, convidando a entrar, acolhendo com gosto e alegria, primando na hospitalidade. Muito mais quando se trata de receber um grande amigo, com saudades mútuas de um abraço de partir costela. A refeição conjunta, regra geral, dá para saber e partilhar notícias e experiências de vida, fortalece a amizade, leva a pôr a conversa em dia, muitas vezes resolve situações delicadas e aborda assuntos de interesse, seduz a olhar o futuro com maior esperança. Jesus é esse amigo por excelência que vem ao nosso encontro, vem por bem e por sua própria iniciativa, de forma despretensiosa, simples e humilde. Reconhecê-lo e deixá-lo entrar no coração de cada um tem consequências de cateterismo em angioplastia espiritual. Que me perdoem os médicos por esta aparente intromissão em seara alheia. Também não sou barbeiro cirurgião, sangrador e tira dentes ao jeito de outros tempos. Mas este tratamento aos efeitos do colesterol espiritual e quejandos, é mesmo eficaz se bem aplicado. Ora escrevam lá: desatravanca os obstáculos que emperram o respirar e a beleza da vida. Remove as gorduras rancorosas que criam mal-estar e promovem maledicências, intrigas, divisões e guerras sociais e familiares. Alarga os caminhos de circulação para que a vida possa pulsar e correr com entusiasmo e alegria, sem dor nem cansaço no esforço de fazer o bem. Normaliza o fluxo da graça de Deus para que se possa existir e agir saudavelmente. Aumenta a capacidade do coração em amar mais e melhor. E ainda por cima, não são precisos stents, nem balões e outros apetrechos. Este medicamento-tratamento, que é Jesus, não atua dolorosamente, não exerce violência, não causa alergias nem intoxicações, não reclama picas, corpos estranhos ou próteses. Apenas se propõe, aplica-se com ternura e delicadeza, desejando que o tomemos como bom amigo e saudável companheiro de viagem. Nunca nos abandona, não nos deixa sozinhos, não nos trai, não usa de maus-tratos. Conhece cada um de nós muito melhor que cada um de nós a si próprio. E como afirmou o Papa Francisco, Ele começou a falar-nos “a partir daquela ‘cátedra’ singular que é a manjedoura”. Com a sua encarnação, aliás preparada ao longo de séculos, fez-se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza, incitando-nos a aceitar livremente o despojamento e as perseguições. Com a sua obediência ao Pai e na vida oculta em Nazaré, repara as nossas rebeldias sem sentido e insubmissões rabugentas. Com a sua palavra e a cura de doentes, purifica e toma sobre si as nossas enfermidades e doenças. Com a sua oração, convida-nos a sermos pessoas contemplativas, agradecidas e orantes. Com a sua ressurreição, justificou-nos, venceu a morte e aos mortos deu a vida. Durante todo o seu percurso terreno, não viveu para si mesmo, viveu para nós. Hoje, permanece indispensável advogado a interceder por nós junto do Pai. É Ele que tem, no Juízo final, o pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens, enquanto redentor do mundo. Aí, será revelado o procedimento de cada um e os segredos do seu coração. Aí, será condenada a incredulidade culpável, que não teve em conta a graça por Ele oferecida. Aí, será julgada a nossa atitude em relação ao próximo: o que fizestes ou não fizestes aos outros foi a Mim que o fizestes ou deixastes de fazer (cf. Mt 25).
Antes que isso aconteça, porém, é bom ter em conta o que Jesus também disse através de São João Evangelista, no Apocalipse. Diz Ele: “Conheço a tua conduta: não és frio nem quente! Quem dera que fosses frio ou quente. Porque és morno, nem frio nem quente, estou quase a vomitar-te da Minha boca. Porque dizes: ‘Sou rico! E agora que sou rico, não preciso de mais nada’. Pois então escuta: és infeliz, miserável, pobre, cego e nu. E nem sabes disso. Queres um conselho? Queres mesmo ficar rico? Então compra o Meu ouro, ouro puro, derretido no fogo. Queres vestir bem? Compra as minhas roupas brancas, para cumprir a vergonha da tua nudez. Queres ver? Pois Eu tenho o colírio para os teus olhos. Quanto a Mim, repreendo todos aqueles que amo. Portanto, sê fervoroso e muda de vida. Já estou à porta e bato. Quem ouvir a minha voz e abrir a porta, entro em sua casa e janto com ele, e ele comigo. Ao vencedor, darei um prémio: vai sentar-se comigo no Meu trono, assim como Eu venci e estou sentado com Meu Pai no Seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas” (Ap 3, 14-22).
Celebrar o Natal em família e em comunidade, com espírito de gratidão e fé, é importante, muito útil e bonito. Celebrá-lo à revelia do homenageado, sem consequências na vida pessoal, familiar e comunitária, é paupérrimo e cansativo!
Que seja um Natal Santo, em todos e para todos!
D. Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 22-12-2023.
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