sábado, 5 de novembro de 2016

POSSO? NÃO POSSO?...NÃO SEI, VEJAMOS...

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receção da Exortação Apostólica a Alegria do Amor – Amoris laetitia (AL) – vai fazendo o seu caminho. Um caminho que não se pode limitar a saber se se pode ou não se pode ter acesso à Comunhão Eucarística. Um caminho que tem de se percorrer sem preconceitos que viciem o processo. Sem laxismos que mutilem os princípios e a realidade. Sem rigorismos que façam sofrer e impeçam de ir mais além. Sem colocar obstáculos incompreensíveis “ao amor incondicional de Deus” (AL311). Sem fechar “o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais” (AL312). Neste exigente caminho, todos – pastores e fiéis – todos, todos precisamos de muito classe, de muita sabedoria evangélica, de muita humildade e iluminação do Espírito Santo para que possamos agir com verdade e justiça, com misericórdia. Francisco não nos dá “uma nova normativa de tipo canónico”. Pede-nos “um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares” (AL300). Pede-nos “uma conversão pastoral que não pode deixar as coisas como estão” (EG25). Uma pastoral de qualidade, em chave missionária, que saiba concentrar-se no essencial e necessário (EG35). Uma pastoral que aposte no anúncio e no aprofundamento do Kerygma, que estimule e renove o encontro pessoal com Jesus Cristo (AL58). Desde o início, desde quando a relação de amor se transformou em domínio, a família vê-se confrontada com o pecado (cf. AL19). Ela não é um ideal abstrato. É uma «tarefa artesanal» (AL16). Por isso, apresentar «um ideal teológico do matrimónio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são” (AL36), não ajuda a considerar o matrimónio como «um caminho dinâmico de crescimento e realização» (AL37). E o Papa observa: «temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estarmos atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL296). Assim, desta Igreja “companheira de viagem” e “hospital de campanha”, espera-se que seja capaz de “assumir uma atitude sabiamente diferenciada: algumas vezes é necessário permanecer ao lado e ouvir em silêncio; outras vezes, deve-se preceder para indicar o caminho a percorrer; e outras vezes ainda, é oportuno seguir, apoiar e encorajar”, de forma a promover o amadurecimento da vida cristã e “a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (AL37). No entanto, a «compreensão pelas situações excecionais não implica jamais esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao ser humano» (AL307). Consciente de tantas situações sofridas e a fazer sofrer, Francisco, para além do recurso aos tribunais eclesiásticos para averiguar da possível ou não declaração de nulidade do matrimónio anterior, convida «os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor”. Mesmo sabendo que nem sempre poderão encontrar neles “uma confirmação das próprias ideias ou desejos”, certamente “receberão uma luz que lhes permita compreender melhor o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento pessoal”(AL312). Um caminho que faça com que, cada um, possa também “encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade eclesial, para que se sinta objeto duma misericórdia “imerecida, incondicional e gratuita”» (AL297). Esta participação é de âmbitos muito diversificados, mesmo quando não se pode aceder à Sagrada Comunhão. Sim, o Papa, ao falar de integração, fala da necessidade do discernimento que ajude “a encontrar caminhos possíveis de resposta a Deus e de crescimento no meio dos limites” (AL305). Não diz que os divorciados recasados podem tranquilamente receber a Comunhão. Convida-os, com todo o respeito e confiança, a que façam um caminho de conversão, a que interroguem a própria consciência, a que se façam ajudar por um diretor espiritual que possa ajudar a discernir, sem automatismos nem atalhos, avaliando seriamente a sua história pessoal. Convida-os a expor a sua situação e a iniciar um percurso de discernimento espiritual, onde “não deixem de se interrogar sobre como se comportaram com os seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve tentativas de reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que consequências tem a nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se devem preparar para o matrimónio…” (AL300). Não diz quanto tempo deve durar este percurso nem em que ponto deste percurso é que poderão receber a absolvição e aproximar-se da Eucaristia. Pode até concluir-se não ser possível chegar à receção da comunhão, mesmo fazendo este percurso e vivendo integrado na comunidade. A variedade das situações e circunstâncias humanas é de tal ordem que não permite receitas fixas e universais. É, no fim de contas, o mesmo caminho que a Igreja propõe a todos nós, pecadores, sem cedermos à tentação de nos querermos comparar. Sim, poderá alguém dizer: se aquele pode, por que é que eu não posso se estou nas mesmas condições? Mas será mesmo que a situação é idêntica? Não esqueçamos que um juízo negativo sobre uma situação objetiva não pode implicar “um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida” (AL302).

Dom Antonino Dias Bispo de Portalegre Castelo Branco 4-11-2016

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