domingo, 13 de novembro de 2016

Seminário e Seminaristas


VENCER O MEDO DE FAZER DOM DE SI MESMO


Todos os anos a Igreja se desafia a si mesma a olhar de forma mais atenta e mais comprometida para os Seminários promovendo a oração mais intensa e a partilha dos cristãos e das comunidades.
Numa tentativa de rápida definição, na Igreja, o Seminário é o tempo e o espaço de formação para se ser padre. Tempo e espaço que correspondem a ritmos de vida que fazem amadurecer na fé e na humanidade; tempo e espaço que correspondem a uma experiência de vida comunitária.
Para um jovem o Seminário começa quando a Igreja o aceita para integrar esta Comunidade. Mas, verdadeiramente, talvez comece quando cada um se sente chamado por Cristo, na Igreja, e aceita definir a sua vida por vocação sabendo genuinamente que tem pela frente um caminho de fé com o consequente e evidente realismo humano das opções a tomar, das escolhas e eleições a fazer. No início está sempre o encontro com Cristo. E a meta é a “estatura de Cristo”. Ter a estatura de Cristo na capacidade de amar, de querer e de pensar. Por isso, não há vocação (ao Sacerdócio) que, no seu percurso de discernimento, não faça crescer também humanamente cada um dos candidatos. A história real, a de todos os dias, é a grande epopeia a escrever e reescrever.

Além da fé e da oração como contexto natural para o surgimento e amadurecimento de uma vocação, a Igreja define como muito importante o desenvolvimento das virtudes da bondade, da sinceridade, da fortaleza de alma e da constância, do cuidado assíduo da justiça, da delicadeza e da integridade (PO 3).
Alargando o âmbito, poderíamos conjugar, sempre a partir da fé cristã os sinais do amadurecimento: comunhão com a Igreja, capacidade de diálogo e de relação, maturidade afectiva, liberdade, transparência, sinceridade e abertura de coração, universalidade, controlo de si, capacidade de amar, sentido do real, integração e vivência equilibrada da sexualidade, fidelidade, generosidade, espírito de serviço e de compromisso, desprendimento e sentido de justiça, austeridade e pobreza, partilha, amor ao estudo, sabedoria, humildade, simplicidade, alegria, o dom do celibato, a coerência entre a oração e a vida, apostolado, amor ao ministério de padre, intimidade com Jesus e caridade, comunhão com o presbitério e o bispo, abertura de espírito e de horizontes. Tem tantos nomes o caminho da santidade!

Se fizéssemos uma lista exaustiva dos valores e das atitudes que a vocação desperta, quase nos surpreenderíamos com a exclamação de que, de facto, “não há vocações baratas” ou seja, não há vocações que se possam assumir apenas pela rama ou que deixem cada um dos chamados na mesma.
É evidente que o caminho que o Seminário inicia não tem uma meta ao estilo de “fase final do concurso de virtudes” com as respectivas condições, o sublinhado direito de admissão (que correspondesse ao momento de ordenação) e os prémios do estilo. O termo da caminhada de Seminário (como em qualquer outro rumo da vida) não é o momento da “perfeição acabada” (seria o crime perfeito) mas é o momento em que se percebe que a maturidade humana e cristã já está munida de referências e vivências seguras, assumidas, capacitadas para reagir às surpresas de cada momento (às alegrias e às tristezas, às vitórias e aos desencantos). A Igreja sabe-o bem e, por isso, ratifica (ou não) o desejo daqueles que pedem a ordenação após um caminho sério de amadurecimento, discernimento e eleição.

Salvaguardando todas as diferenças e a própria riqueza das diferenças com que se constrói uma comunidade (um presbitério, por exemplo), ser padre envolve um modo de ser próprio, um estilo próprio, uma cultura. Não é uma questão de “uma classe”, não é uma espécie de confraria. E não se trata também de uniformidade de um modelo rígido. Antes pelo contrário. Trata-se de uma referência comum que se manifesta em mil e um caminhos mas mantém viva e valoriza, acima de tudo, a comunhão. Todos tão diferentes mas todos tão livre e apaixonadamente complementares no caminho da Igreja e do mundo seguindo Jesus Cristo.

É precisamente diante dos sinais desta cultura, deste modo de ser e estilo próprios que surgem interrogações quando se fala de Seminário e de pastoral vocacional sacerdotal. O padre que apenas soubesse celebrar Eucaristia não saberia ser padre. Mas se soubesse tudo, menos celebrar a Eucaristia … também não saberia ser padre. Dizer que é “muito bom padre mas não lhe puxa para a religião” é tão descabido como dizer de um padre que “é muito bom e muito religioso mas não lhe puxa para o cuidado dos irmãos”.

Salvaguardando sempre que a vocação tem a sua fonte primeira em Deus e o seu dom na Igreja, chamamos hoje um jovem para ser Padre. E que vê ele!? Depende, não é!? Claro! Pode ver muita coisa. Pode olhar e ver padres felizes, generosos na entrega, confiantes na oração, construindo comunhão com o povo de Deus e com o bispo e os outros padres; pode ver que, acompanhando-o, lhe damos o lugar de sujeito da sua história vocacional ou pode ver que queremos mantê-lo numa dependência vocacional infantil; pode ver padres sobrecarregados de trabalho e a correr de lado para lado mas felizes na missão; pode ver comunidades abertas e dialogantes e outras menos simpáticas; pode ver padres a fazer o que sempre fizeram mas fiéis e outros a fazer o mesmo de sempre mas cansados e azedos; pode ver padres capazes de trabalhar em conjunto num projecto comum e outros que apenas são capazes de funcionar sozinhos; pode ver comunidades onde tudo tem sentido eclesial (paróquia, movimentos, actividades, aulas de moral, grupos de jovens, catequeses, etc) e pode ver outras onde cada campo é solitariamente independente e concorrente; pode ver os padres “da moda” e os outros, porventura mais desarticulados, mas mais “duradouros”; pode ver padres educados e delicados no trato (como os homens dignos de cada tempo), e pode ver padres rudes, uns que motivam e outros que ralham; pode ver comunidades atentas ao tempo e outras a viver de glórias passadas e de títulos ressequidos; pode ver os hipercríticos inofensivos (que só fazem mal a si mesmos) mas que cansam, e pode ver os outros, os construtores de ambientes positivos e saudáveis; pode ver padres protagonistas de tudo e pode ver padres timidamente apagados mas absolutamente generosos. Pode ver … e vê!

Se na idade de alargar os horizontes (na vida, na fé, nos projectos) um jovem se sentir pressionado a afunilá-los … sente-se constrangido. E, constrangido, não confia, não responde, não constrói, não cresce. O que podia ter sido uma história vocacional passa, facilmente, a um “passado arrumado” até se encontrar um ambiente com o húmus adequado que, talvez, faça ainda reavivar um dom. É evidente que é Deus que chama … mas a história é que acaba por ser o lugar da hermenêutica vocacional e existencial. É na história que Deus faz sentido, é na história que a vida faz sentido com Deus e com os outros.

Sempre foi e continua a ser importante ter referências pessoais, uma espécie de modelos referenciais com que cada um se identifica. Mas hoje a questão vocacional sacerdotal é muito mais do que apenas uma questão de modelo referencial, “querer” ou “não querer ser padre” como outro padre qualquer, o melhor que seja!
O Seminário chama, ajuda a crescer e a discernir, forma, apresenta e envia. Mas é todo o ambiente e cultura eclesial – a sua qualidade – que é vocacional. O ritmo vocacional não sobrevive isolado do ritmo eclesial e comunitário em que se exercita a confiança na Palavra de Deus que chama e ilumina cada passo. A experiência de Igreja, de Comunidade, é, por excelência, o seu lugar de nascimento.
Quem azeda, na Igreja, nunca azeda sozinho. E quem é feliz, na Igreja, também nunca é feliz sozinho. É como Mgr Rey perguntava em Lourdes: “Não foi Deus que decidiu enviar-nos menos padres!?”. Então o Sacerdócio não é, como hoje se diz, o “espaço de conforto” onde alguém pudesse fugir às questões fundamentais da sua vida (menos padres, mais ocupados e mais aplaudidos como “sagrados”).
O Sacerdócio, ser padre, é precisamente o lugar de realização da santidade como exercício de vencer o medo de fazer dom de si mesmo. A Deus, à Igreja, a todos os outros. E se a originalidade do seu estilo e da sua maneira de viver parece deixá-los aparentemente solitários, suporta-os a comunhão com a vida de Cristo e, por Ele, com a humanidade inteira. Homens Padres! Poderia parecer mítico e feito de encomenda, irreal. Mas não! Esse Padre existe! É o que Deus chama e aceita fazer o seu caminho.

P. Emanuel Matos Silva

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