sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O VOLUNTARIADO NASCE DUM CORAÇÃO GRANDE


Isto cá para nós que ninguém nos ouve. Mesmo que não esteja no cardápio das causas de doenças, acho que a cultura do sofá, de braço dado com o gosto pelo zapping e quejandos, encarquilha os ossos, faz rugas na testa e causa surdez nos ouvidos do coração. Além disso, deve provocar colesterol, talvez bicos de papagaio, não sei se enxaquecas e cara de vinagre. Presumo que estimule o “alzheimer espiritual” e muitas outras maleitas egocêntricas de consequências graves no viver e conviver. Sobretudo quando as pessoas têm vida saudável, experiência e conhecimentos para partilhar, mas já aposentadas e sem outros cuidados e afazeres, se aferrolham inativas. Sei que estas minhas afirmações só serão válidas enquanto não vier outro a dizer o contrário, me tenha por metediço e pense que eu não fecho bem a gaveta. No entanto, sabe bem constatar o coração escorreito e o cuidado profilático de tanta gente crente e não crente que não se cansa de correr a gastar muita da sua energia em gestos de amor e solidariedade, ignorando qualquer fronteira religiosa, ideológica ou política. Refiro-me à multidão de voluntários que no mais variado campo de ação, de forma gratuita e competente, servem os outros, com generosidade e alegria.
Por todo o mundo, e nos mais variados setores da atividade humana, há, e vão surgindo cada vez mais, organismos e coletividades de matriz cívica e religiosa, criadas e dinamizadas por voluntários. Dedicam-se ao serviço desta casa comum que é a natureza, ao serviço da cultura, do desporto, da saúde, da comunicação social, do socorro de emergência, do apoio em campos de refugiados, da promoção humana, do serviço às pessoas seja ele qual for, onde for e com quem for. Os próprios governos e instâncias internacionais entendem ser conveniente não ignorar o valor social e cívico destas iniciativas e têm até procedido ao seu enquadramento legal (cf. C. Past. CEP, 2001). Entre nós, apesar do elevado PIB de produção legislativa a enfurecer a justiça e quem a tem de aplicar, penso que ainda é a Lei nº 71/de 3/11/98 e o Decreto-Lei nº 389/de 30/09/99, que estão em vigor. Definem o conceito de voluntariado, enumeram os seus direitos e deveres, especificam as áreas de intervenção.
Como é evidente, o voluntário que se preza de o ser tem de marcar a diferença. É pessoa com maturidade humana, afetiva e espiritual, capaz de relação social, com capacidade de inserção no meio ambiente e no grupo, se o há, em espírito de comunhão e colaboração integrada. Mais do que ações de solidariedade, ele próprio é solidário e gosta de ajudar quem precisa, oferece com amor os seus conhecimentos e os seus préstimos. Por isso mesmo, a sua colaboração não é fruto de um entusiasmo momentâneo que logo esmorece. É um voluntariado assumido de forma contínua, responsável, competente e alegre. Não simplesmente para ocupar os tempos livres ou para satisfazer interesses menos claros. Trata-se de um serviço social exercido em espírito de verdadeira cidadania.
O voluntariado da Igreja, para dentro e para fora, tem uma prática de milénios, fortemente potenciado pelos valores que a Boa Nova de Jesus anuncia. Toda a Igreja, em todos os tempos, foi Igreja de voluntários. Tantos homens e mulheres que ao longo dos séculos souberam dar o seu tempo, os seus conhecimentos, a sua vida e, muitos, os seus próprios bens, fazendo o bem sem olhar a quem. Fruto do voluntariado tem sido o ministério da Evangelização, a assistência e promoção social, o cuidado em áreas da saúde, o empenho cultural, a libertação dos povos, a luta pela justiça e pela paz (cf. Idem). Hoje, em Portugal, são milhares e milhares de pessoas, crianças, jovens e adultos, que, organizada e gratuitamente, dão o seu tempo, o seu saber e o testemunho da sua fé como catequistas, como membros de grupos corais, como acólitos, leitores e na diversidade dos ministérios laicais. São milhares as pessoas dedicadas a cuidar dos espaços litúrgicos, a visitar doentes e idosos em lares, em casas de famílias e em hospitais e se dedicam também a visitar presos nas cadeias. São milhares os que, nas férias, partem em missão de voluntariado associados a instituições religiosas ou outras. São milhares os que, de forma gratuita e disponível, pertencem aos órgãos sociais de misericórdias, centros sociais paroquiais, confrarias, associações de fiéis, movimentos de ação pastoral, comissões de festas e outras que se ocupam na defesa e preservação do património paroquial, e sei lá mais o quê!
Todo o serviço de voluntariado, crente ou não crente, nasce do coração humano, revela valores de humanismo assente na dignidade humana e no sentido da fraternidade universal.


D. Antonino Dias Bispo de Portalegre Castelo Branco 9-12-2016


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