sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

SONHAR A FAMÍLIA NO SONHO DE DEUS


Celebramos a Festa da Sagrada Família de Nazaré. Faz-nos bem olhar para as pessoas que a constituem. São pessoas amorosas, simpáticas e ternas. Faz-nos bem olhar o perfil humano de cada uma, a força da sua fé, a missão que tinham, o género de vida que levavam, a forma como se relacionavam entre si e com os outros, a maneira como enfrentavam as dificuldades e os sofrimentos do dia-a-dia e as próprias traquinices do Filho que, embora fosse crescendo em estatura, sabedoria e graça, não deixaria, com certeza, “de atirar com o pau ao gato”, presumo eu, não sei. O que sei é que Deus entrou no mundo nesta família que tinha um coração grande e aberto ao amor. E apresentou-se como o «Emanuel» (cf. Mt 1, 23), o Deus connosco. Aliás, como afirma Francisco, este foi, “desde o princípio, o seu sonho, o seu propósito, a sua luta incansável para nos dizer: «Eu sou o Deus convosco, o Deus para vós». É o Deus que, desde os primórdios da criação, afirmou: «Não é conveniente que o homem esteja só» (Gn 2, 18). E nós podemos continuar dizendo: não é conveniente que a mulher esteja só, não é conveniente que a criança, o idoso, o jovem estejam sós; não é conveniente. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, unir-se-á à sua mulher e os dois serão uma só carne (cf. Gn 2, 24). Os dois serão uma só morada, uma família” (Filadélfia, 26/9/2015). Mas Deus não Se limita a sonhar. Ele “procura fazer tudo «connosco». O sonho de Deus continua a realizar-se nos sonhos de muitos casais que têm a coragem de fazer da sua vida uma família”. Uma família que continua a ser “o símbolo vivo do projeto de amor que um dia o Pai sonhou”. Ser família ou querer formar uma família “é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história, de construir um mundo onde ninguém se sinta só, onde ninguém se sinta supérfluo ou sem lugar” (cf. AL321). Sim, “o sonho de Deus continua irrevogável, continua intacto e convida-nos a trabalhar, a comprometer-nos a favor duma sociedade pro família”.
Deus sonha e quer! E quando Deus quer e o homem sonha, a obra nasce, afirmava Fernando Pessoa, que também dizia que o homem é do tamanho do seu sonho. Sim, o sonho comanda a vida, e sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos duma criança, escrevia António Gedeão.
O segredo deste êxito, o segredo da concretização deste sonho está em não desistir de promover a cultura do amor. E São Paulo aponta os caminhos a percorrer em direção a essa meta: «O amor é paciente, o amor é prestável; não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, nem guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13, 4-7).
Lemos na Amoris Laetitia que “A maturidade chega a uma família quando a vida emotiva dos seus membros se transforma numa sensibilidade que não domina nem obscurece as grandes opções e valores, mas segue a sua liberdade, brota dela, enriquece-a, embeleza-a e torna-a mais harmoniosa para bem de todos” (AL146).
Por entre as alegrias e as tristezas com que a vida mimoseia a todos, as famílias cristãs encontram na Família de Nazaré um estímulo para serem também uma comunidade de vida e de amor, de união e de paz. Encontram nela, não só um estímulo, também uma fonte de proteção e de auxílio divino.
Vamos torcer para que 2017 dê azo à concretização do sonho de Deus no seio de cada família que não deve desistir de sonhar. Que os jovens sejam capazes de sonhar e construir uma família em conformidade com o sonho de Deus. Não existe amor verdadeiro a prazo. Ou apenas e só até que o estrugido se queime ou ele ou ela descubra que ela ou ele não sabe cozinhar a siricaia ou as tortas de Azeitão. Esse é o amor assente sobre a areia e não sobre a rocha, faz parte da cultura do provisório, do usa e deita fora. Há uma pedagogia do amor que não se pode descorar: “o amor é artesanal”, uma tarefa nunca acabada (AL221) a exigir tempo e gratuidade, um exercício de jardinagem que, se cuidado, dá belíssimas e variadas flores. Apesar dessa tarefa nem sempre ser fácil, é pelo sonho que vamos. E sonhando, é importante partir com esperança, caminhar sem desânimo e sentir que somos amados por Deus mesmo que os tropeções sejam muitos e não consigamos chegar ao ponto mais alto que gostaríamos de alcançar. Mas é pelo sonho que vamos. E foi assim que escreveu Sebastião da Gama:

“Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.

Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.”

D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
30/12/2016.

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