Ainda há quem não seja acolhido. E perdoem-me, mas a culpa é minha. É tua. É nossa. Sim, a culpa é nossa porque andamos adormecidos e preocupados sabe-se lá bem com o quê. Sim, a culpa é nossa por não deixarmos que tantos e tantas se salvem nas mais variadas circunstâncias.
Ainda há quem não seja acolhido. E muitas vezes a culpa é nossa. Fica mais fácil fingirmos que não é nada connosco. Torna-se mais cómodo cingirmo-nos a uma mera doutrina que nos faz ignorar todo um contexto. Toda uma história de vida.
Ainda há quem não tenha abrigo. E sim, muitas vezes a culpa é nossa. Gostamos de acreditar que nunca virá a acontecer connosco. Deixamos que a distância retire a possibilidade de nos comovermos com a dor, com o sofrimento do outro. Permitimos que interesses, poderes e questões se tornem mais valiosos do que a vida. Chegamos, inclusive, ao ponto de medir vidas como se não partilhássemos da mesma humanidade. Como se não fôssemos todos merecedores da dignidade que brota de qualquer dom da vida.
Ainda há quem não se salve. E isto vai acontecendo bem perto de nós. No nosso quotidiano. Há quem não se salve quando insistimos em servirmo-nos em vez de servirmos. Há quem não se salve quando a nossa língua se torna verdadeira seta apontada à integridade de alguém. Há quem não se salve quando insistimos em não acolher. Há quem não se salve quando ateimamos em não sermos amor.
E se isto acontece na pequenez do nosso dia-a-dia, como não se pode refletir a nível mundial? Como é que isso não pode ser gerador de incompreensão? De falta de empatia? De falta de compaixão? De falta de verdadeira humanidade?
As imagens que assistimos, infelizmente, esta semana, de guerra e de rejeição de imigrantes, são o reflexo daquilo que temos vindo a construir como humanidade. Se não somos obreiros de paz, de união, de empatia, de compreensão, de aceitação e de amor com os nossos, como poderemos vir a ser com aqueles que nos batem à porta? Como poderemos vir a ser com aqueles que correm até nós?
Não podemos somente comover-nos com as imagens. Não podemos achar que nada pode ser feito ou mudado. Tenhamos a audácia de fazermos a diferença. Aqui e agora. Junto daqueles que se cruzam connosco. Junto daqueles que nos procuram para que unidos possamos ser geradores de verdadeira humanidade.
Hoje, entra no mistério da tua existência e questiona-te serenamente: quantos é que tu salvaste? Quantos é que ganharam vida com a tua vida?
Emanuel António Dias
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