segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

DO LIVRO “LÁGRIMA DO MAR”



Com a devida vénia, recordo um poema de João Coelho dos Santos, do seu livro “Lágrima do Mar”, 1996. Natural de Lourosa, Santa Maria da Feira, João Coelho dos Santos logo rumou a Lisboa. Foi Secretário-Geral do Automóvel Club de Portugal e Vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Ligado a várias Associações Poéticas e Culturais, membro de “Os Confrades de Poesia”, é autor de dezenas de livros de poesia, teatro e de outras áreas, como “Choraste, Francisco" e "Livro do não sossego”.
Eis o poema:

“NATAL DE QUEM?

Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do peru, das rabanadas.
-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
- Está bem, eu sei!
- E as garrafas de vinho?
- Já vão a caminho!
- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?
- Não sei, não sei...
Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!
Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papeis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem-estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive teto nem afeto!
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
- Foi este o Natal de Jesus?!!!”
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D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 25-12-2022.


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