Na primeira leitura, o profeta Ezequiel convida os israelitas exilados na Babilónia a comprometerem-se de forma séria e consequente com Deus, sem rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios. Cada crente deve tomar consciência das consequências do seu compromisso com Deus e viver, com coerência, as implicações práticas da sua adesão a Jahwéh e à Aliança. Antes de mais, a leitura convida-nos a tomar consciência de que um compromisso com Deus é algo que nos implica profundamente e que devemos sentir pessoalmente, sem rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios. No nosso tempo - no tempo da cultura do plástico, do "light", do efémero - há alguma tendência a não assumir responsabilidades, a não absolutizar os compromissos (no mundo do futebol e da política há até uma máxima que define a flutuabilidade, a incoerência, a contradição em que as pessoas se movem: "o que é verdade hoje, é mentira amanhã"). Mas, com Deus, não há meias tintas: ou se assume, ou não se assume. Como é que eu sinto esses compromissos que assumi com Deus no dia do meu Baptismo e que ao longo da vida, nas mais diversas circunstâncias, confirmei? Trata-se de algo que eu levo a sério e que eu aplico coerentemente a toda a minha existência e às opções que faço, ou de algo que eu só me lembro quando se trata de fazer uma bonita festa de casamento na igreja ou de cumprir a tradição e baptizar os filhos?
O Evangelho diz como se concretiza o compromisso do crente com Deus... O "sim" que Deus nos pede não é uma declaração teórica de boas intenções, sem implicações práticas; mas é um compromisso firme, coerente, sério e exigente com o Reino, com os seus valores, com o seguimento de Jesus Cristo. O verdadeiro crente não é aquele que "dá boa impressão", que finge respeitar as regras e que tem um comportamento irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas é aquele que cumpre na realidade da vida a vontade de Deus. Diante do chamamento de Deus, há dois tipos de resposta... Há aqueles que escutam o chamamento de Deus, mas não são capazes de vencer o imobilismo, a preguiça, o comodismo, o egoísmo, a auto-suficiência e não vão trabalhar para a vinha (mesmo que tenham dito "sim" a Deus e tenham sido baptizados); e há aqueles que acolhem o chamamento de Deus e que lhe respondem de forma generosa. De que lado estou eu? Estou disposto a comprometer-me com Deus, a aceitar os seus desafios, a empenhar-me na construção de um mundo mais bonito e mais feliz, ou prefiro demitir-me das minhas responsabilidades e renunciar a ter um papel activo no projecto criador e salvador que Deus tem para os homens e para o mundo?
O que é que significa, exactamente, dizer "sim" a Deus? É ser baptizado ou crismado? É casar na igreja? É fazer parte de uma confraria qualquer da paróquia? É fazer parte da equipa que gere a Fábrica da Igreja? É ter feito votos num qualquer instituto religiosos? É ir todos os dias à missa e rezar diariamente a Liturgia das Horas? Atenção: na parábola apresentada por Jesus, não chega dizer um "sim" inicial a Deus; mas é preciso que esse "sim" inicial se confirme, depois, num verdadeiro empenho na "vinha" do Senhor. Ou seja: não bastam palavras e declarações de boas intenções; é preciso viver, dia a dia, os valores do Evangelho, seguir Jesus nesse caminho de amor e de entrega que Ele percorreu, construir, com gestos concretos, um mundo de justiça, de bondade, de solidariedade, de perdão, de paz. Como me situo face a isto: sou um cristão "de registo", que tem o nome nos livros da paróquia, ou sou um cristão "de facto", que dia a dia procura acolher a novidade de Deus, perceber os seus desafios, responder aos seus apelos e colaborar com Ele na construção de uma nova terra, de justiça, de paz, de fraternidade, de felicidade para todos os homens?
A segunda leitura apresenta aos cristãos de Filipos (e aos cristãos de todos os tempos e lugares) o exemplo de Cristo: apesar de ser Filho de Deus, Cristo não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas assumiu a realidade da fragilidade humana, fazendo-se servidor dos homens para nos ensinar a suprema lição do amor, do serviço, da entrega total da vida por amor. Os cristãos são chamados por Deus a seguir Jesus e a viver do mesmo jeito, na entrega total ao Pai e aos seus projectos. Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados em muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo com os critérios que presidem ao nosso mundo, os grandes "ganhadores" não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?
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