Na primeira leitura, o profeta Jeremias anuncia que Deus se dispõe fazer connosco uma “nova Aliança”. Ele vai gravar as suas propostas nos nossos corações, a fim de que os nossos sentimentos, decisões e ações traduzam a vida e os valores de Deus. Acolhendo o dom de Deus, iremos ao encontro da Vida nova e plena que Ele nos quer dar.
Detenhamo-nos na palavra “Aliança”. Ela serviu aos teólogos de Israel para expressar o compromisso de Deus com o seu Povo, a sua decisão de descer ao encontro do seu Povo, de o acompanhar em cada passo da história e de lhe oferecer a Vida e a salvação. Esse Deus que faz “Aliança” com os homens é o Deus da comunhão e da relação, que olha para nós com amor, que nos convida a fazer parte da sua família e que nunca desiste de nós. É verdade: não andamos à deriva e sem rumo por caminhos sombrios, não somos criaturas sem valor perdidas num universo cujos contornos nos escapam, não somos seres “descartáveis” que podem ser deixados para trás e triturados pela história; somos criaturas que Deus conhece pessoalmente, por quem Deus se interessa infinitamente, que Deus acompanha e cuida com ternura de pai e de mãe. Que impacto tem esta “boa notícia” na nossa vida?
A segunda leitura apresenta-nos Jesus Cristo, o sumo-sacerdote da nova Aliança, que Se solidariza com os homens e lhes aponta o caminho da salvação. Esse caminho é o mesmo que Jesus seguiu: é o caminho do diálogo com Deus, da entrega confiada nas mãos de Deus, da aceitação plena do projeto do Pai.
A oração, o diálogo com o Pai, é uma dimensão sempre presente na vida de Jesus. Os Evangelhos contam que, após jornadas intensas de anúncio do Reino, Ele retirava-se para lugares isolados para falar com o Pai. Era nesse diálogo que Ele discernia a vontade de Deus e encontrava a força para concretizar os planos do Pai. Foi também no diálogo sempre renovado com o Pai que Ele aprendeu a fazer de toda a sua vida um dom, uma entrega ao Pai e aos homens. Na nossa vida, temos espaço para dialogar com o Pai, para perceber os seus projetos para nós e para o mundo, para escutar os desafios que Deus nos faz? A nossa vida cumpre-se na indiferença para com Deus e para com os seus projetos, ou numa procura sincera e empenhada da vontade de Deus?
O Evangelho convida-nos a olhar para Jesus, a conhecer as suas propostas, a aprender com Ele, a identificarmo-nos com Ele, a segui-l’O no caminho do amor e da entrega da vida. O caminho da cruz parece, aos olhos do mundo, um caminho de fracasso e de morte; mas é desse caminho de amor e de doação que brota a Vida verdadeira.
Jesus rejeita absolutamente o caminho da autossuficiência, do fechamento em si próprio, do egoísmo estéril, dos valores efémeros. Ele sabe bem que, na lógica de Deus, esse caminho é um caminho que produz vidas vazias e sem sentido, sofrimento e frustração, desilusão e desânimo. Quem vive exclusivamente para si próprio, quem se preocupa apenas em defender os seus interesses e perspetivas, quem se apega excessivamente a uma realização pessoal cumprida em circuitos fechados, “compra” uma existência infecunda e que não vale a pena ser vivida. Perde a oportunidade de chegar ao Homem Novo, à realização plena, à vida verdadeira, à ressurreição, à salvação. Nesta “janela de conversão” que é o tempo quaresmal, que temos de mudar na nossa vida, nos nossos valores, nos nossos comportamentos, na nossa história, para estarmos plenamente alinhados com as propostas de Jesus?
Se o grão de trigo quer dar fruto, é preciso que ele passe pela terra onde vai apodrecer, mas o seu percurso não pára aí, o fruto brotará. Jesus quer dar a vida, Ele escolhe passar pela morte, dando então a maior prova de amor. Mas a sua missão não pára aí, a vida brotará: a sua própria vida é a ressurreição; e a vida da humanidade é a salvação. “Não era necessário que Cristo sofresse tudo isto para entrar na sua glória?”, dirá Ele aos discípulos no caminho de Emaús. Se queremos que os outros vivam, é preciso que passemos por um certo número de renúncias, de esquecimentos de nós próprios, e isto através do serviço, do acolhimento, do perdão. Mas a nossa relação com os outros não pára aí, a alegria brota nos rostos e no nosso próprio rosto. A morte é uma passagem obrigatória para aquele que ama e quer amar até ao fim.
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