segunda-feira, 29 de abril de 2024

O que te dizem os imprevistos?



Ninguém gosta de imprevistos. De cancelamentos. De voltas desnecessárias às rotundas do dia-a-dia. Os imprevistos dizem-nos que não controlamos nada. Que as nossas vontades e desejos estão submetidos ao improvável, ao inesperado e ao inexplicável. E a forma como os ecos desses imponderáveis nos afetam diz muito sobre nós e sobre a nossa forma de viver a vida e os nossos dias.

Penso que todos nós encontramos algum conforto no controlo. No imaginar a vida como a prevemos e como gostaríamos que fosse. Essa sensação de conforto dá-nos a ilusão de premeditar o que vai acontecer. Amanhã acordo e faço isto e aquilo e a outra coisa. Muitas das vezes a vida deixa-nos acreditar no previsível. No esperado e no imaginado. No entanto, e tantas outras vezes, a vida brinda-nos com o arremesso do que não esperávamos. Pode ser um imprevisto menor como um cancelamento de um voo, como uma estrada cortada, como uma pessoa que reage de forma diferente do habitual ou menos simpática. Outras vezes os imprevistos são maiores do que nós. Trazem a morte. O improvável da novidade triste dos que partem. E isso deixa-nos com uma cratera no peito.

Não estamos preparados para o que não queremos que aconteça. Queremos que a maré esteja sempre vazia para podermos mergulhar em segurança. E, não poucas vezes, a vida apresenta-se-nos como o mar picado do Guincho ou da Nazaré. E lá temos de adaptar a prancha-coração ao que não sabemos que vai chegar.

Essa capacidade de adaptação, de reorganização e de reajuste traz-nos uma aprendizagem essencial: estamos aqui emprestados, não controlamos absolutamente nada e teremos de nos ajustar a seja o que for que a vida traga. Criar resistência ao que a vida é acaba por ser um não viver o que está guardado para nós.

Reagir aos imponderáveis e ficar zangado faz parte do caminho. Fazer o luto das expectativas criadas é, muitas vezes, tão difícil quanto fazer o luto de uma partida ou de um abandono. Mas é para isso que aqui estamos. Para perceber que não sabemos a durabilidade do nosso corpo neste universo e nesta dimensão onde nos encontramos.

Resta-nos agradecer. Trazer de volta a paz aos dias menos controlados. Mais irrequietos e mais revoltos como as ondas da Praia de Espinho.

Enquanto não sabemos se nos falta muito ou pouco para andar por cá, que possamos encolher a nossa arrogância e expandir as arestas da alma ao que estiver para vir.


Marta Arrais

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