sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A importância do inútil



Bem-aventuradas as famílias que compreendem a importância do inútil

Porque é o inútil tão importante? Vivemos num mundo em que tudo precisa de ser caucionado por uma qualquer utilidade e isso desvia-nos de um viver gratuito, disponível e autêntico. Só a inutilidade nos dá acesso à polifonia da vida, na sua variedade, nos seus contrastes, na sua realidade densa, na sua surpresa e na sua inteireza. “Foi o tempo que perdeste com a tua rosa, que tornou a tua rosa tão importante para ti”- explicava Saint-Exupéry. Quer dizer: temos de aceitar “perder” para que a relação valha. E perder é mesmo perder: não só tempo, mas também representações prévias, aspirações, projectos, utilidade, vida. O objectivo é poder alcançar aquela plena liberdade da definição que Montaigne propõe: «Se me intimam a dizer porque o amava, sinto que só o posso exprimir respondendo: “Porque era ele. Porque era eu”». As relações familiares não podem reduzir-se à gestão do útil, à gestão do que se vê de fora, dominadas por um pragmatismo epidérmico. É preciso perceber como a inutilidade abre clareiras favoráveis à revelação, à palavra, ao verdadeiro conhecimento, ao encontro.

José Tolentino Mendonça
Pontifícia Universidade Católica-Minas, Belo Horizonte, Brasil,

Sem comentários:

Enviar um comentário

Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado