quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Analfabetismo dos afectos

Bem-aventuradas as famílias que diariamente combatem o analfabetismo dos afectos

No célebre filme “Cenas da vida conjugal”, de Ingmar Bergman, há uma personagem que diz a dada altura: «Vou revelar-te uma coisa talvez trivial. Em matéria de sentimentos somos analfabetos. E o mais triste é que isso não é verdade apenas para ti ou para mim, mas para quase todos. Aprendemos o que há a aprender sobre o corpo humano, sobre a agricultura no fim do mundo, sobre o pi grego ou como diabo se chama... Mas ninguém se dá conta de que deveríamos aprender primeiro alguma coisa sobre nós próprios e a nossa alma...». Bem-aventurada a família que se propõe combater diariamente este analfabetismo. Os membros de uma família têm de tornar-se naturalmente (e ainda mais, sobrenaturalmente) grandes artesãos do afecto, num amor que nos aceita por inteiro, que abraça o que somos e o que não somos; o que nós fomos e o que nos tornámos. Num amor que ama as nossas possibilidades infinitas e indefinidas; os nossos desabrochares esperançosos e as nossas quedas frustrantes; as nossas liberdades insensatas e a nossa timidez hesitante. Num amor que é, por si, uma arte da confiança que continuamente relança as histórias.

José Tolentino Mendonça
Pontifícia Universidade Católica-Minas, Belo Horizonte, Brasil,

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