quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Partilha e dom


Bem-aventuradas as famílias que vivem no aberto do mundo e de Deus

O tempo de Deus é um tempo aberto. E o aberto o que é? É aceitar que o que vemos neste momento é apenas uma etapa e uma estação. Amar é também ouvir aquilo que é novo a cada momento, acompanhar o fluxo do mistério do tempo. Não tenhamos dúvidas: estamos e continuaremos a estar rodeados de perguntas. Nós próprios somos uma pergunta. Aquilo que o teólogo S. Justino expressava assim, há tantos séculos: «Magna quaestio factus sum me». «Tornei-me para mim mesmo uma grande pergunta!» A família é hoje também uma pergunta. Precisaremos talvez trocar o nosso conhecimento muito assertivo, dispondo-nos a aprender, ouvindo, tentando estabelecer o pacto, a aliança, mas nunca a partir de teorias fechadas. Temos de viver o aberto, a transformação e a abertura permanente. Só a reversibilidade nos dá a experiência profunda da salvação. Bem-aventuradas as famílias que sabem que o tempo é uma arte, uma recriação pascal.

Ser é habitar, em criativa continuação, o seu próprio inacabado e o do mundo. O inacabado liga-se, é verdade, com o vocabulário da vulnerabilidade, mas também (e eu diria, sobretudo) com a experiência de reversibilidade e de reciprocidade. A vida de cada um de nós não se basta a si mesma: precisaremos sempre do olhar do outro. A vida só por intermitências se resolve individualmente, pois o seu sentido só se alcança na partilha e no dom.



Este texto integra o número 20 do "Observatório da Cultura" (Novembro 2013).
José Tolentino Mendonça

Pontifícia Universidade Católica-Minas, Belo Horizonte, Brasil,


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