Recomeçar parece mais simples quando mudamos de contexto e de lugar. Tudo o que é novo parece impelir-nos para a frente, para uma descoberta que rima sempre com a novidade. Difícil mesmo é recomeçar a partir do mesmo lugar, surfando as mesmas ondas e observando os mesmos cenários.
Recomeçar no mesmo sítio obriga-nos a fazer uma viagem ao contrário. A partir de dentro. Começamos de novo porque estamos diferentes. Porque aprendemos coisas novas. Porque olhamos para as pessoas a partir de outros prismas.
É possível recomeçar a partir da interioridade que nos habita o coração. Agarrar nos hábitos do costume e dar-lhe um outro significado, construir uma ponte diferente para outras oportunidades.
Passamos demasiado tempo a querer coisas diferentes daquelas que temos. Outra casa. Outro carro. Uma relação diferente. Um emprego melhor. Uma oportunidade que nos venha varrer a vida e nos atire para uma alegria que não acaba mais. No entanto, e à medida que vamos vivendo, percebemos que o desejo pelo diferente pode ser só uma escapatória. Uma tentativa de não construir a partir do que nos é dado. Uma vontade de fugir ao que precisa de ser olhado e querido.
O maior recomeço que podemos querer é aquele que nos move as águas de dentro. Aquele que nos permite ser melhores e que nos deixa viver mais alinhados com quem queremos ser. Mais do que desejar coisas novas para melhorar a vida, talvez valha a pena desejar a mesma vida a partir de uma visão mais completa.
O que é que eu posso mudar em mim, se não puder mudar nada à minha volta?
Como é que eu posso reconstruir-me a partir das cicatrizes que vejo espalhadas na minha alma?
Como é que eu posso ser a pessoa que eu preciso? E, depois, que os outros precisam também?
Recomeçar é uma arte muito complexa. Obriga-nos a varrer os vidros que partimos, a colocar ligaduras novas nas feridas do costume e a ousar fazer mais com o pouco que nos é dado.
Depois de olhares bem para ti e de veres o que precisa de ser visto, aí sim, vais saber recomeçar.
Marta Arrais
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